Medida de segurança.

Tenho a sensação que sei mais dos outros do que de mim mesmo, daí chego a ideias conclusivas através de um perfil traçado por uma suposta leitura de olhar, uma observação detalhada de gestos, uma sincronia de palavras, uma particularidade qualquer de expressão que se difere do esperado, tornando tudo particularmente aceitável ou não. Esta forma de análise sempre me pareceu mais fácil, mais cómoda, menos trabalhosa, menos doloso quando direcionada aos outros e não a mim mesmo e daí  crio um paralelo de ideias, conceitos, um preconceito. Estou convencido de que esta atitude é inerente à todos as pessoas, a diferença se estabelece na forma com que trabalhamos e conduzimos isto.
Daniel, como se apresentou pra mim, surgiu da noite pro dia, como o mais novo morador da praça em frente da minha casa, chamando a atenção e preocupação dos moradores que a utilizam-na em caminhadas pela manhã e fins de tarde. Sua presença causava não medo, mas o desconforto que se estabelece entre as pessoas que se mantém guarnecidas em sua zona de conforto moral e tem a preocupação  de que nada abale esta falsa segurança. 
Ficava sentado sobre a grama ou debaixo de alguma árvore entre sua infinidade de tralhas pessoais. Não incomodava ninguém, não dirigia a palavra à ninguém a menos que fosse solicitado. Seu olhar parecia propositalmente distante como se não houvesse ninguém à sua volta e  uma certa altivez mostrando-se despreocupado com olhares curiosos ao seu visível desleixo pessoal. Alimentava-se de bolachas e fatias de pão oferecida por vizinhos e até café que numa noite eu levei para aquecer-lo do frio. 
Noutra noite observei da minha janela, o carro da polícia estacionado sobre as dependências da praça e logo lembrei-me de Daniel. Dias depois, fui  informado que tinha sido afugentado, por que um morador preocupado  o denunciou à polícia, temendo por sua segurança.

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